terça-feira, 19 de outubro de 2010

Pensamentos - Teorias - Livros



As idéias. A maior parte da obra de Descartes é consagrada às ciências (domínios da matemática e da ótica) mas o que ele mais quer é conseguir um modo de chegar a verdades concretas. Sua filosofia, exposta principalmente em o "Discurso sobre o Método", o mais amplamente lido de todos os seus trabalhos, é a proposta de meios para tal.

Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela é proposta como uma via para se chegar à certeza e não é dúvida sistemática, sem outro fim que o próprio duvidar, como para os céticos. Argumenta que as idéias em geral são incertas e instáveis, sujeitas à imperfeição dos sentidos. Algumas, porém, se apresentam ao espírito com nitidez e estabilidade, e ocorrem a todas as pessoas da mesma maneira, independentes das experiências dos sentidos, e isto significa que residem na mente de todas as pessoas e são inatas. Descartes vai, por etapas, nomear as idéias que ele inclui nessa categoria de claras, distintas, e inatas e vai demonstrar que essas são idéias verdadeiras, não podem ser idéias falsas.

A primeira idéia que examina é a do próprio Eu. Desta idéia, diz ele que não pode duvidar. É a idéia do próprio Eu pensante, enquanto pensante. E então conclui com sua célebre frase: "Penso, logo existo". Este dito, talvez o mais famoso na história da filosofia, aparece primeiro na quarta seção do "Discurso sobre o método", de 1637, em francês, Je pense donc je suis, e depois na primeira parte do "Princípios de Filosofia" (1644) que é praticamente a versão latina do "Discurso", Cogito ergo sum.

É considerado muito provável que Campanella tenha inspirado a Descartes sua célebre frase. Campanella foi o primeiro filósofo moderno a estabelecer a dúvida universal como ponto de partida de todo pensar verdadeiro, e a tomar a autoconsciência como base do conhecimento e da certeza. Apesar de que a Metafísica de Campanella saiu em 1638, e o Discurso sobre o método saiu antes, o próprio Descartes diz em sua correspondência que havia lido obras de Campanella nas quais este deduzira da autoconsciência a certeza da própria realidade: De sensu rerum (1623), por exemplo. Mas, Descartes pondera, a idéia de minha existência "como coisa pensante" ("Penso, logo existo") não me traz nenhuma certeza sobre qualquer idéia do mundo físico.
Mas, de todo esse raciocínio Descartes saiu com apenas uma única verdade, a de que ele existe, e isto não basta para encontrar a verdade sobre o universo. O mundo existe ou é uma ilusão, apenas imaginação? Tenho várias idéias com grande nitidez e estabilidade, e delas compartilho com muitas pessoas, mas nada me garante que não estejamos todos enganados. Uma delas é a idéia da "extensão". Esta é uma idéia que Descartes considera inata, clara e evidente, e que é exigida pelo mundo físico. Essa idéia existe no espírito humano como a idéia de algo dotado de grandeza e forma: é fundamental à geometria e torna provável a existência dos corpos, a existência dos objetos e do mundo. Porém, apesar de clara e distinta, a idéia de extensão não é garantia de que os objetos correspondam às idéias que deles fazemos.

Deus verdadeiro. O problema está em encontrar uma garantia de que a tais idéias de objetos correspondam efetivamente algo real.. Tenho também a idéia de Deus. Mas agora sim, tenho uma garantia. Não é a mesma garantia que me dá o pensar, do qual concluo que se penso, então existo com certeza. A garantia que Descartes dá para a existência de Deus é que nenhum ser imperfeito ou finito, sendo igual ao homem, poderia ter produzido a idéia de um ser infinito e perfeito; somente Deus poderia ter revelado isto ao homem, como "a marca do artista impressa em sua obra". Portanto, conclui no "Discurso sobre o Método", a idéia de Deus implica a real existência de Deus.

Voltemos então à idéia clara, distinta e inata da extensão. Se a percepção que tenho da extensão não correspondesse a uma realidade extensa, isso significaria que o espírito humano estaria sempre errado, e então essa idéia de extensão seria obra de um gênio maligno, incompatível com a idéia de um Deus bom e verdadeiro. Se Deus existe como ser perfeitíssimo, Ele é bom e verdadeiro; não pode permitir o erro sistemático do espírito humano. Porque Deus é perfeito, Ele é bom, e então a imagem do mundo exterior não é uma ficção. Eu tenho a certeza de que penso, e de que indubitavelmente existo porque sou essa coisa que pensa e Deus é a garantia de que aquilo que penso deveras existe como coisa física. Portanto, as idéias claras e distintas correspondem de fato à realidade - elas não são a armadilha de um gênio enganador e perverso Dualismo.

Outro aspecto importante da filosofia de Descartes é sua concepção do homem em uma dualidade corpo-espírito. O universo consiste de duas diferentes substâncias: as mentes, ou substância pensante, e a matéria, a última sendo basicamente quantitativa, teoreticamente explicável em leis científicas e fórmulas matemáticas. Só no homem as duas substâncias se juntaram em uma união substancial, unidas porém delimitadas, e assim Descartes inaugura um dualismo radical, oposto da consubstancialidade ensinada pela escolástica tomista.

Ele também rejeita a visão escolástica de que existe uma distinção entre vários tipos de conhecimento baseados na diversidade dos objetos conhecíveis, cada um com seu conceito fixo. Para ele o "poder de conhecer" é sempre o mesmo, qualquer que seja o objeto ao qual seja aplicado. Bem aplicado pode chegar à verdade e à certeza, mal aplicado vai cair no erro ou dúvida. A mente, em muitas de suas atividades, é dependente do corpo: a paixão, ou seja, aquilo que é sentido, é uma ação sobre o corpo. Fisiologicamente, Descartes colocou o centro da interação entre as duas substâncias na glândula pineal, convencido de que o aspecto geométrico de sua posição anatômica, - um pequeno corpo localizado centralmente na base do cérebro -, indicava uma função nobre, porém sem nada saber de sua atividade fisiológica por muito tempo desconhecida pela ciência.

Alguns dão a Descartes a distinção de haver fundado a psicologia fisiológica, porque foi ele que explicou o comportamento de animais inteiramente em bases de funções mecânicas do sistema nervoso, negando que tivessem "almas". Ele também propôs uma teoria que explicava a percepção visual de distancia, forma e tamanho, em termos de indicações secundárias.

Ética. Descartes reconhece o corpo humano como a mais perfeita das máquinas; trabalha por impulsos naturais, - o que é hoje chamado reflexos condicionados -, mas os efeitos destes instintos automáticos e desejos podem ser controlados ou modificados pela mente, pelo poder da vontade racional. A higiene do corpo é importante, mas há igualmente a necessidade de uma higiene mental, a qual é baseada no conhecimento verdadeiro dos fatores psicológicos que condicionam o comportamento. A mente necessita do treinamento do "bom senso" e a aquisição de sabedoria, o que por sua vez depende do conhecimento das verdades da metafísica a qual, a metafísica, por seu turno, inclui o conhecimento de Deus. Descartes assim conclui que a atividade moral está baseada no conhecimento verdadeiro dos valores, ou seja, em idéias claras e distintas garantidas por Deus, do valor relativo das coisas.
O método. O seu Método para o raciocínio correto é principalmente "nunca aceitar qualquer coisa como verdade se essa coisa não pode ser vista clara e distintamente como tal. Descartes assim implica a rejeição de todas as idéias e opiniões aceitas, a determinação a duvidar até ser convencido do contrario por fatos auto evidentes. Outro preceito é "Conduzir os pensamentos em ordem, começando com os objetos que são os mais simples e fáceis de saber e assim procedendo, gradualmente, ao conhecimento dos mais complexos.

Recomenda recapitular a "cadeia de raciocínio" para se estar certo de que não há omissões. Propõe também preceitos metodológicos complementares ou preparatórios da evidência: o preceito da análise (dividir as dificuldades que se apresentem em tantas parcelas quantas sejam necessárias para serem resolvidas), o da síntese (conduzir com ordem os pensamentos, começando dos objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para depois tentar gradativamente o conhecimento dos mais complexos) e o da enumeração (realizar enumerações de modo a verificar que nada foi omitido).

Revolução científica. Quanto à filosofia e à ciência, Descartes viveu no início da revolução científica. Seu importante trabalho, Meditações sobre a Filosofia Primeira, foi publicado em 1641, o ano anterior a morte de Galileu e nascimento de Newton. Deste período é a obra de Francis Bacon Instauratio Magna, publicada em 1623; é a "A Cidade do Sol", de Campanella, publicada em 1623, é Il Sagiatore Celeste, de Galileu, em 1623, são as obras de Kepler e de vários outros cientistas, filósofos e matemáticos, com suas invenções e descobertas. A grande preocupação na virada do século XVI para o século XVII: encontrar um caminho novo. "As múltiplas opiniões eram caminhos vários e inseguros que não levavam a qualquer meta definitiva e estável. "Precisava-se achar o método para a ciência. Francis Bacon (156l-1626) e Galileu haviam deixado bem claro o novo caminho do método experimental, indutivo, que formularia suas leis, partindo da consideração dos casos particulares.. Alguns, como eles próprios, Bacon e Galileu, enfrentam a hegemonia do pensamento lógico dedutivo dos aristotélicos até então predominante e apoiado pelas forças do Estado e da Igreja. Constituem com Hobbes, Locke, Berkeley e Hume a chamada corrente empirista, que, de um golpe irá devastar o território da alquimia, da astrologia, da cabala, e constrói pacientemente a ciência moderna. Outros reconhecem o valor do método indutivo, mas compreendem que ele é apenas o complemento novo que possibilitou a descoberta do método experimental e que o único instrumento com respeito às causas e aos fins últimos inatingíveis pela experimentação, será sempre a dedução lógica, e se arrojam por essa estrada. Formam a corrente racionalista moderna: Campanella, Descartes, Malebranche, Spinoza, Leibniz, e Kant.

Classificação das ciências. No "Princípios da Filosofia", Descartes classifica as ciências quanto à sabedoria ou grau de clareza e nitidez de idéias que é possível atingir em cada uma. A ciência, ele diz, pode ser comparada a uma árvore; a metafísica é a raiz, a física é o tronco, e os três principais ramos são a mecânica, a medicina, e a moral, estes formando as três aplicações do nosso conhecimento, que são, o mundo externo, o corpo humano, e a conduta da vida. Mas os conhecimentos científicos não bastam a si mesmos: o tronco da física sustenta-se em raízes metafísicas. É o Bom Deus quem garante o conhecimento científico, porque garante as idéias claras. A física cartesiana resulta, assim, de deduções racionais abstratas: Deus existe e serve de apoio para retirar do domínio da dúvida o conhecimento que é claro e evidente. O mundo físico está de antemão provado por uma idéia inata, a de extensão, que é a essência da corporeidade. Deus garante que idéias claras da realidade têm correspondência na realidade, Deus torna os objetos inteligíveis e os sujeitos capazes de intelecção, mas há que vencer a imperfeição do homem, cujas impressões sensíveis vem de fora e são deformadas.

Geometria. O La Géométrie é a parte mais importante do "Discurso". Ele representa o primeiro passo para uma teoria dos invariantes, que em estágios posteriores desrelativisa o sistema de referencia e remove arbitrariedades; a álgebra faz possível reconhecer os problemas típicos na geometria e trazer junto os problemas que na roupagem geométrica não pareceriam de nenhum modo estarem relacionados. A álgebra introduz na geometria os princípios mais naturais da divisão e a mais natural hierarquia do método. Com ela as questões de solvabilidade e possibilidade geométricas podem ser resolvidas elegantemente, rapidamente e inteiramente da álgebra paralela; e sem ela não podem ser decididas de modo algum.

Realmente, o grande avanço feito por Descartes foi criar uma fórmula algébrica para representar o fato trivial e então já conhecido de que um ponto em uma folha de papel retangular está infalivelmente, como é evidente, onde as duas linhas de suas duas distancias medidas perpendicularmente a duas margens adjacentes da folha, se encontram. Em linguagem geométrica, isto quer dizer que um ponto em um plano pode ser representado pelos valores (hoje chamados "coordenadas cartesianas") das suas duas distâncias (x, y) tomadas perpendicularmente a dois eixos que se cruzam em ângulo reto nesse plano, com a convenção de lado positivo e negativo para um e outro lado do ponto de cruzamento dos eixos. Então uma equação f(x,y)=0 pode ser satisfeita por um infinito número de valores de x e y. O importante é que esses valores de x e y podem representar as coordenadas de vários pontos de uma curva, da qual a equação f(x,y)=0 expressa alguma propriedade geométrica, isto é, a propriedade verdadeira da curva em cada ponto dela. Por exemplo, o gráfico da função f(x)=x2 consiste de todos os pares (x, y) tais que y=x2, ou seja, é a coleção de todos os pares (x, x2), como (1,1), (2, 4), (-1, 1), (-3, 9), etc. A curva resulta ser uma parábola. Qualquer propriedade particular desta curva pode ser deduzida da equação, sem necessidade de se fazer o desenho da curva para encontrar os pontos graficamente, e duas ou mais curvas podem ser referidas a um e mesmo sistema de coordenadas; o ponto no qual duas curvas intersectam é determinado pela raiz comum às suas duas equações. E isto é geometria analítica, sua invenção.

Um de seus críticos diz que algumas idéias no La Géométrie podem ter vindo de um trabalho anterior de Oresme mas reconhece que no trabalho de Oresme não há nenhuma evidência de ligar a álgebra e a geometria.Wallis um contemporâneo de Descartes, argumenta em sua "Álgebra" (1685) que as idéias do La Géométrie foram copiadas do trabalho de Harriot sobre equações. Isto é considerado possível pelos historiadores da matemática, apesar de que Descartes sempre alegou que nada em sua obra era influência do trabalho de outros.

Ótica e Universo. Dos dois restantes apêndices do Discours um era devotado à ótica, outro a natureza. Seu maior interesse está nas leis da refração, coincidentes no entanto com os achados de Snell, cujos experimentos originais Descartes deve ter repetido em Paris, em 1626 e 1627, e provavelmente se esqueceu de mencionar. Grande parte da ótica está dedicada a determinar a melhor forma para as lentes de um telescópio, mas as dificuldades mecânicas para polir uma superfície de vidro até uma forma requerida eram tão grandes naquela época que tornavam essas pesquisas de pouca utilidade prática. Mas revelam que Descartes estava em dúvida se os raios de luz procediam do olho e tocavam os objetos, como supunham os gregos, ou se, ao contrário, procediam do objeto e afetavam o olho. Porém, como ele considerava a velocidade da luz ser infinita, ele não considerou esse ponto particularmente importante.

No Meteoros Descartes discute numerosos fenômenos atmosféricos, inclusive o arco-íris, que não explica corretamente por ignorar fatos importantes relativos ao índice de refração das substâncias para diferentes cores de luz.. Sua física do universo, de base metafísica, reunindo muito do que havia preparado para o não publicado Le Monde, encontra-se exposta no seu Principia, de 1644.
Descartes não acredita em ação à distância. Conseqüentemente, não podia admitir haver vácuo em torno da terra e sim alguma matéria que seria o meio pelo qual as forças poderiam ser transferidas. A mecânica de Descartes supõe o universo cheio com a matéria que, devido a algum movimento inicial, se estabeleceu como um sistema de vórtices que carregam o sol, as estrelas, os planetas e seus satélites, e os cometas em seus trajetos.

Por muitas razões a teoria de Descartes, é mais satisfatória do que o efeito misterioso da gravidade agindo a distância. Ele assume que a matéria do universo tem que estar em movimento, e que o movimento deve resultar em diversos vórtices. Sustenta que o sol está no centro de um imenso redemoinho de matéria, no qual os planetas flutuam e são arrastados em círculo como palhas em um redemoinho de água. Supõe que cada planeta está, por sua vez, no centro de um redemoinho secundário no qual os seus satélites são carregados em órbita. Estes redemoinhos secundários supostamente produzem variações de densidade no meio que os circunda e assim afetam o redemoinho primário principal, fazendo os planetas se moverem em elipses e não em círculos.

De acordo com essa concepção o sol estaria no centro das elipses planetárias e não em um de seus focos, como Kepler havia demonstrado. Newton, em 1687, examinou sua teoria e verificou que não apenas estava em desacordo com as leis de Kepler mas também com as leis fundamentais da mecânica. No entanto, apesar de seus defeitos, a teoria dos vórtices marca um momento na astronomia, porque foi uma tentativa feita, antes de Newton, de explicar todo o universo por leis mecânicas conhecidas na terra e não milagres do céu.

More perguntou a Descartes: "Por que os seus vórtices não são em forma de coluna ou cilindro (como um ciclone) em vez de elipses, desde que, tanto quanto eu entendo, qualquer ponto do eixo de um vortex é como se fosse o centro do qual a matéria celestial se afasta com um ímpeto inteiramente constante?" Mas Descartes não lhe deu resposta.

Apesar dos problemas com a teoria dos vórtices, ela dominou na França por quase cem anos, mesmo depois que Newton mostrou que ela era impossível como um sistema dinâmico. Embora não aplicável ao sistema planetário, provou ser verdadeira quando se descobriu a forma das galáxias que revolvem ao redor de um buraco negro que é um vórtice.

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